Romantizada ou não, o fato é que a Revolução Farroupilha é parte central do imaginário do gaúcho. Há quem diga que se tratou de uma revolta de elites, capazes de mobilizar uma massa de manobra através de promessas inconclusas. Outros tresjuram que, antes disso, a Guerra dos Farrapos foi um grito republicano por liberdade e, ainda que mobilizado por elites, teve grande adesão popular. Giuseppe Garibaldi parece concordar com essa última visão, pois em seu livro de memórias descreve os gaúchos como “uma população belicosa e essencialmente dedicada à causa da liberdade.”

Guilherme Litran, Carga de cavalaria Farroupilha, acervo do Museu Júlio de Castilhos

Hoje em dia, essa faceta da história do nosso estado segue sendo lembrada com frequência, em especial no dia 20 de setembro, data que inclusive está no nosso hino “Foi no 20 de setembro, o precursor da liberdade” . A data marca o início do confronto que se estendeu de 1835 a 1845.

A historiografia se encarregou de preservar o máximo de relatos e materiais sobre o período. Assim, não são poucos os causos e narrativas que sobreviveram ao tempo. Dentre tantas história, há uma especialmente curiosa: trata-se dos navios dos revoltosos!

HISTÓRIA DOS NAVIOS FARROUPILHAS

Quando se pensa na Guerra dos Farrapos é natural que se pense em batalhas no pampa aberto, ou no campos de cima da serra, porém uma importante parte da disputa entre Brasil e Rio Grande do Sul aconteceu na água. Era Giuseppe Garibaldi quem liderava as frotas gaúchas.

O que aconteceu foi o seguinte: os farrapos dominavam praticamente todo o interior do estado, porém as forças brasileiras tinham o domínio sobre dois pontos bastante estratégicos, Porto Alegre e toda extensão da Lagoa dos Patos. Isso significa que, se por um lado os Farrapos comandavam os campos, o Império dominava as águas, o que implicava em ser o senhor do comércio, visto que a Lagoa dos Patos era um importante acesso marítimo e ponto central no comércio. 

Um Sloop

Foi por isso que Garibaldi, à época com 26 anos, bolou um plano, primeiro construiu dois barcos leves chamados Sloops. Como consta em suas memórias: “Ia procurar-se a madeira a uma parte e o ferro a outra; dois ou três carpinteiros cortavam e aparelhavam aquela, um mulato forjava o ferro. Foi assim que se fabricaram os dois Sloops, desde os pregos até aos círculos de ferro dos mastros.”

O objetivo era dificultar a vida dos imperiais através de saques e do controle sobre as águas do Rio Grande do Sul. Acontece que: “Os imperiais tinham, para fazer frente aos nossos dois sloops, de vinte e oito toneladas, trinta navios de guerra e um barco a vapor. Porém nós tínhamos a nosso favor os baixios das águas.”

O plano de Garibaldi era genial. Sabendo que o império tinha muito mais força naval, ele optou por navios leves, tão leves que eram capazes de passar por águas rasas inacessíveis aos pesados navios brasileiros. Inclusive, quando o sloop encalhava em fuga dos barcos de guerra, Garibaldi gritava: “– Avante, meus patos, saltemos à água.” Ele relata que “os meus patos cabiam na água, e à força de braços erguiam o lanchão, transportando-o para o outro lado do banco de areia.”

Assim, apenas com dois Sloops, os Farrapos foram capazes de causar muito prejuízo aos imperiais. 

Outra importante história naval da Guerra foi a conquista de Laguna!

Ainda que os revoltosos tenham tido grandes conquistas através dos dois pequenos Sloops, o Império ainda controlava a saída da Lagoa dos Patos para o Atlântico através do forte de Rio Grande. Então como fazer para que novos navios, dessa vez maiores e mais bem equipados, chegassem ao oceano e conquistasse novas terras?

Garibaldi, perspicaz e ousado, teve a ideia de construir dois enormes barcos em pleno campo e fazê-los chegar ao mar através de carretas de bois. Uma loucura, não? Mas não é que deu certo! “Cem bois mansos foram atrelados, e vi então com grande satisfação o maior dos nossos lanchões caminhar como se fosse uma pena”

Garibaldi liderando a expedição a Laguna Por Lucílio de Albuquerque, Instituto de Educação General Flores da Cunha, Porto Alegre

“Os habitantes gozaram então de um espetáculo curioso e desusado, isto é, verem dois navios em cima de duas carretas, e puxados por duzentos bois, atravessarem cinquenta e quatro milhas, isto é, dezoito léguas, sem a menor dificuldade, sem o mais pequeno incidente.”

É verdade que nem tudo deu certo para Garibaldi e seus dois navios, pois um deles naufragou no caminho para Laguna, o próprio comandante quase se afogou, foram perdas terríveis, pois dos 30 tripulantes, 16 morreram no naufrágio. Ainda assim, um dos barcos chegou a Laguna, conquistou a cidade e inaugurou a breve República Juliana. Mas isso já é outra história…